O seguro agrícola no Brasil passou por profundas transformações nos últimos anos, especialmente após eventos climáticos extremos entre 2020 e 2022, que resultaram em indenizações recordes e mudanças na dinâmica do setor. A seguir, um panorama das principais mudanças, desafios e perspectivas, com destaque para as falas de Luiz Gondim Filho, produtor rural do Paraná.
O Funcionamento do Seguro Agrícola
Até 2022, o seguro rural brasileiro era sustentado principalmente pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), criado para tornar o seguro mais acessível por meio de subsídios federais ao prêmio pago pelo produtor. O PSR permitiu a contratação de 1,5 milhão de apólices e cobertura de mais de 112 milhões de hectares em quase duas décadas, com percentuais de auxílio de 40% a 60%, dependendo da cultura e do porte do produtor.
Apesar disso, a penetração do seguro rural era baixa: em 2019, menos de 5% da área plantada estava segurada. Muitos produtores consideravam o seguro caro e burocrático, preferindo renegociar dívidas ou esperar ajuda governamental em caso de desastre.
O Impacto dos Eventos Climáticos (2020–2022)
A intensificação dos eventos climáticos e a maior conscientização sobre riscos aumentaram a demanda por seguro agrícola. O governo elevou o orçamento do PSR para cerca de R$1 bilhão anuais, e novas seguradoras e resseguradoras entraram no mercado.
Entre 2020 e 2022, secas históricas, geadas e tempestades causaram grandes quebras de safra, levando as indenizações a patamares inéditos: mais de R$7 bilhões em 2021 e, em 2022, um recorde de R$10,2 bilhões pagos em sinistros, impulsionados principalmente pela seca no Sul do Brasil.
No Paraná, as indenizações chegaram a R$3,2 bilhões em 2022. Luiz Gondim Filho, produtor rural em Guarapuava (PR), foi um dos beneficiados pelo seguro após perder mais de 50% da safra de soja e milho em 2021/22.
“Se não fosse o seguro, eu e muitos vizinhos teríamos quebrado. O dinheiro da indenização foi o que nos permitiu pagar o financiamento e plantar de novo. A gente nunca acha que vai precisar, mas quando precisa, vê o valor que tem.”, relata.
Consequências: Aumento dos Prêmios e Redução da Cobertura
A explosão da sinistralidade pressionou a sustentabilidade do setor. Em 2022 e 2023, as seguradoras reajustaram significativamente os prêmios e reduziram os níveis de cobertura, especialmente em culturas de maior risco. Algumas resseguradoras internacionais suspenderam operações no Brasil devido aos prejuízos.
O seguro ficou mais caro e, em muitas regiões, tornou-se proibitivo para produtores médios e pequenos sem o subsídio governamental. Isso levou a uma queda na contratação de apólices: a área segurada caiu de 16,27 milhões de hectares em 2021 para 11,37 milhões em 2022, uma retração de quase 30%.
Em 2022, cerca de 40% dos agricultores que contrataram seguro de inverno ficaram sem subvenção, levando muitos a não renovar a cobertura ou a pagar integralmente do próprio bolso.
O Desafio em 2023
Em 2023, o orçamento do PSR foi reduzido de R$1,06 bilhão para R$933 milhões, deixando milhares de produtores sem acesso ao benefício. No Paraná, o número de apólices subvencionadas caiu de 82 mil em 2021 para cerca de 37 mil em 2023.
Do lado das seguradoras, a queda brusca da sinistralidade em 2023 trouxe alívio: até outubro, os sinistros somavam R$2 bilhões, bem abaixo dos anos anteriores. Com uma safra mais favorável, às seguradoras puderam recompor reservas e algumas reduziram preços das apólices no fim de 2023 e início de 2024.
Apesar disso, a insegurança entre produtores persiste, pois o prêmio cheio ainda é considerado alto, especialmente sem subvenção.
“Depois das quebras, o seguro ficou mais caro e o governo cortou a subvenção. Muitos colegas deixaram de fazer porque não tinham como pagar. Eu continuei porque vi na pele o que é perder tudo sem proteção. Mas não é fácil.”, comenta Luiz Gondim Filho ao falar sobre as dificuldades recentes.
Perfil dos Segurados e Importância do Seguro
O seguro rural é mais comum entre grandes e médios produtores de grãos, especialmente em estados do Sul e Sudeste como Paraná e Rio Grande do Sul, que responderam por mais de 50% dos recursos do PSR em 2023. Culturas como frutas, hortaliças e pecuária ainda têm baixa participação, mas estão crescendo.
Pequenos agricultores familiares enfrentam mais obstáculos, como desconhecimento, burocracia e falta de recursos para pagar a parte não subvencionada do prêmio. Programas via cooperativas e entidades como a CNA buscam ampliar a inclusão desse grupo.
O seguro rural funciona como uma rede de segurança fundamental para a manutenção da produção agropecuária e a estabilidade da oferta de alimentos no país.
Dados de 2023: Retração e Proteção
Em 2023, foram subvencionadas pouco mais de 107 mil apólices, beneficiando cerca de 70 mil produtores e cobrindo 6,25 milhões de hectares, com produção avaliada em R$40 bilhões. O valor total de prêmios pagos foi de R$3,14 bilhões, com subvenção federal de R$933 milhões. As indenizações pagas até outubro somaram R$2 bilhões, valor significativo, mas muito abaixo dos R$10 bilhões de 2022, refletindo uma safra mais favorável.
Apesar da redução da área segurada, o seguro rural devolveu em proteção financeira ao produtor mais do que custou ao governo, mostrando seu retorno social.
Recuperação Pós-Desastres
Casos recentes ilustram o papel do seguro na recuperação de produtores após desastres climáticos. Em Guarapuava (PR), produtores de soja e milho que perderam mais de 50% da safra em 2021/22 conseguiram se reerguer graças às indenizações. Situações semelhantes ocorreram no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mostrando a importância do seguro para evitar inadimplência e garantir a continuidade da produção.
“O seguro não resolve tudo, mas é o que segura a gente de não quebrar. Sem ele, o prejuízo ia ser muito maior, não só para o produtor, mas para todo mundo que depende do campo.”, destaca o produtor rural.
As seguradoras também investiram em tecnologia, como imagens de satélite e meteorologia de precisão, para aprimorar a avaliação de perdas e acelerar pagamentos, tornando o seguro mais atrativo.
Expectativas para os Próximos Anos
Especialistas projetam crescimento de 23% no volume de seguros rurais em 2024, impulsionado pela normalização dos prêmios, retorno de seguradoras e resseguradoras, e oferta de novos produtos como seguros para pecuária, florestas e aquícolas.
O governo planeja modernizar o PSR, inspirando-se em modelos internacionais para ampliar o acesso e reduzir custos, além de estudar a criação de um Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), com aporte inicial de R$4,5 bilhões, para cobrir eventos catastróficos excepcionais.
Atualmente, o seguro rural cobre apenas cerca de 6% da área plantada do país, indicando grande potencial de expansão se houver estabilidade e recursos. O Ministério da Agricultura considera o seguro rural estratégico diante das mudanças climáticas e pretende manter o orçamento em torno de R$1 bilhão em 2023 e 2024, mas estima-se que seriam necessários pelo menos R$2 bilhões anuais para atender toda a demanda.
“O seguro é caro, mas é um mal necessário. O clima está cada vez mais doido, não dá para arriscar ficar sem. O governo precisa apoiar mais, porque sem produção, o país inteiro perde.”, conclui Luiz Gondim Filho.
O seguro agrícola brasileiro saiu fortalecido do turbulento biênio 2020–2022, apesar das dificuldades enfrentadas em 2023. Produtores e seguradoras aprenderam lições importantes sobre riscos extremos, e melhorias já estão em andamento. Cada real investido em seguro evita prejuízos futuros, garantindo a continuidade da produção de alimentos e a sustentabilidade do agronegócio nacional.