Deputados ainda discutirão mudanças de emendas e destaques, e projeto depois segue para ser analisado pelo Senado.
Aprovado na Câmara após meses de disputa, o projeto de educação domiciliar, prioridade do governo Bolsonaro, de autoria da relatora Luísa Canziani (PSD-PR) prevê pré-requisitos aos pais, dá novas tarefas às escolas e cria exigências pedagógicas.
Após a votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que destaques e emendas ficaram para análise nesta quinta-feira. Depois disso, ainda seguirá para o Senado.
O texto aprovado venceu uma disputa interna contra um grupo mais radical, ligado ao governo e aos deputados Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis, que defendia um projeto que apenas autorizasse o método, sem nenhum tipo de exigências. enquanto a bancada da educação tentava determinar uma série de regras e limitações à sua aplicação.
Pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a professora Maria Celi Chaves Vasconcelos, que participou das audiências públicas como especialista em homeschooling para a criação do projeto votado ontem, defende que o ensino domiciliar no Brasil se beneficiaria se passasse por um processo intermediário em que a liberação para a adoção da modalidade não fosse tão irrestrita, como o aprovado.
— O Brasil vive um momento de transição e estamos saindo do nada para o tudo. Nosso país vai sair da proibição para a regulamentação total. Talvez pudéssemos ter dado um passo de cada vez — diz Maria Celi.
A especialista explica que a lei aprovada no Brasil é bastante parecida com a nova regulamentação portuguesa, aprovada há cerca de um ano. No entanto, ela lembra que o país europeu tem a modalidade estabelecida desde 1948. Entre os 36 países da OCDE, 30 têm regulamentações para o ensino domiciliar.
Nos EUA, há programas em que alunos aprendem com professores à distância, similar ao que foi praticado durante a pandemia. O modelo inglês é mais parecido ao que o movimento pró-educação domiciliar defende no Brasil, com a família sendo responsável pelo ensino dos filhos.
— Embora importante para uma minoria, essa pauta desvia o olhar de discussões muito mais urgentes que deveriam ser feitas no Brasil — avalia.
Além disso, na análise da pesquisadora, organizadora do livro “Educação domiciliar no Brasil: Mo(vi)mento em debate”, a lei aprovada deveria prever um mecanismo de permissão por justificativa, em que os conselhos estaduais e municipais ficariam encarregados de autorizar ou negar os pedidos das famílias interessadas.
— Não poderia ser um sistema que fosse unicamente pela vontade da família, uma vez que a educação no nosso país é obrigatória dos 4 aos 17 anos. Mas esse protocolo de justificativa abriria a possibilidade da educação familiar para aqueles que precisam — diz.
Segundo a pesquisadora da Uerj, o perfil de famílias que praticam o ensino domiciliar no Brasil vai desde aquelas que podem ser consideradas ligadas a uma religião, em que outros adeptos a influenciaram a aderir ao homeschooling, até a famílias com estilos de vida alternativo.
— São famílias que viajam constantemente, que têm crianças que necessitam de atendimento especializado, que têm filhos que sofreram bullying na escola — explica.
‘Bom, mas restritivo’
A Associação Nacional da Educação Domiciliar (Aned) apoiou o texto, mesmo com críticas. Rick Dias, presidente da instituição, não quis comentar o texto debatido ontem pelos deputados. Mas já havia declarado em novembro que o texto era “de razoável para bom, mas muito restritivo”:
— Exigência de nível superior para os pais é uma coisa absurda. Seguir a Base Nacional Comum Curricular não me incomoda, mas o ideal era deixar os pais à vontade para escolherem o que querem ensinar.
Fonte: O Globo